sexta-feira, 11 de março de 2011

Movimento Escoteiro...
Talvez poucas pessoas saibam como funciona o movimento escoteiro, fundado por um inglês em 1907, na Inglaterra. Embora reunindo, 12 milhões de pessoas em todo o mundo, o movimento nos últimos anos tem crescido pouco e não é tão visível nas cidades. Os escoteiros das grandes cidades têm hoje grande dificuldade de organizar seus programas e acampar torna-se já um sonho provocado pelas grandes distâncias.
Possuidor de uma mística especial, o escotismo ainda conserva em muitos lugares os métodos propostos pelo seu fundador com algumas alterações não fundamentais. Por incrível que pareça o que no Brasil, durante muito tempo, foi o cartão de visita do escotismo (uniformes e ordens unidas), não faz parte do mais importante e da primeira proposta de Lord Baden Pawell of Gilwell.
O ponto fundamental do movimento está no sistema de patrulhas. A patrulha escoteira é o nome dado a uma pequena equipe que nas atividades de sede ou de campo trabalha independentemente. As atividades esportivas, técnicas e de sobrevivência, são feitas sempre com base na equipe escoteira, chamada patrulha. Cada uma destas equipes tem o seu monitor e seu submonitor, ambos responsáveis pela condução deste pequeno grupo de colegas através do desenvolvimento de uma liderança de características democráticas.
O fato de ser monitor ou submonitor não significa um cargo de honra, mas de serviço e coordenação de serviços.
O importante neste processo de educação da liderança democrática é poder entregar a cada adolescente uma carga capaz de ser transportada com segurança, carga material e carga social. O movimento escoteiro parte do princípio que cada membro do movimento deve procurar solucionar os seus problemas internos de divisão de tarefas, relacionamento, programas livres, solicitando ajuda ou conselho da coordenação do campo quando esgotadas as capacidades do grupo.
O escotismo é um movimento difícil, seja pelo tempo que consome, seja pelo preço do material. Mas, apesar de todas as dificuldades, é um movimento que desenvolve valores importantes na formação de um ser humano que as escolas e a família não têm capacidade de desenvolver.
A sociedade industrial contemporânea deixa que o jovem viva sem participação efetiva durante muitos anos e, num salto imediatista, exige do recém-adulto um comportamento responsável para o qual ele não foi preparado.
O movimento escoteiro possibilita exatamente esta transição, onde o jovem, de acordo com a sua idade e capacidade, é orientado para assumir compromissos importantes do qual dependerá, inclusive, a sobrevivência do grupo.
Se de um lado o adolescente trabalha duro para sobreviver, de outro ele terá a recompensa e a felicidade que muitos hoje não têm, qual seja a felicidade de ver um trabalho iniciado e concluído.
Neste ponto está exatamente a realização do escoteiro, o prêmio que ele recebe pelo esforço desenvolvidos. E é por que pode medir o que fez e se sente realizado, que o escoteiro é alegre, apesar de muitos afazeres e muito trabalho nos acampamentos, suar camisa, trabalhar duro à noite quando uma chuva apanha um acampamento de surpresa, ou carregar água de local distante para fazer a refeição.
Psicologicamente o adolescente é exigido em todos os aspectos da dominante fásica da adolescência, o heroísmo, a solidariedade, o amor à aventura, o gosto pelo imprevisível. À medida em que o adolescente trabalha atende às suas necessidades primárias, ele se sente feliz e realizado porque superou as dificuldades que o meio ambiente ou a coordenação de campo colocou diante dele.
O movimento escoteiro é um tipo de atividade educativa que complementa a educação de maneira extraordinária desde o controle motor até os elementos da socialização necessários a um ser humano.
O segredo do movimento, a sua pedagogia, estão baseados no processo de desequilíbrio. Desequilibra-se uma situação, cria-se uma situação em que o adolescente não tenha o domínio dela, mas que, ao mesmo tempo, tenha condições de dominá-la usando a criatividade.
O processo de crescimento e complementação das tarefas obedece ao sistema de retorno ao equilíbrio anterior, ao domínio de uma outra situação só que, agora, trata-se de uma situação nova, mais complexa e que exigiu maior criatividade, associação, persistência e domínio de si mesmo.
Enquanto uma escola acadêmica desenvolve seus programas arriscando perder a alegria que deveria predominar nas atividades do adolescente, o escotismo tem como mola mestra de sua pedagogia os jogos de todos os tipos e características. Joga-se continuamente. O lazer, o aprendizado, a sobrevivência e os serviços, fazem parte de um grande jogo.
Em todas as atividades a liderança do monitor deverá ser sentida, e a diferença entre as atividades fará com que a liderança seja desenvolvida em direções diferentes.
Como o movimento escoteiro favorece o controle motor? Todas as atividades de campo dependem de construções que supõem sempre o uso de cordas e madeira. As amarras e os nós exigidos para que as construções sejam seguras e durem por todo o período de campo devem ser feitas com beleza, precisão, segurança e isto só é conseguido mediante a boa coordenação motora e a coordenação olho-mão.
Este tipo de coordenação acompanha os escoteiros em todas as ocasiões da vida, até mesmo durante o período em que exercem a chefia.
Como se educa no escotismo para uma liderança em situações difíceis, para o trabalho organizado e solidário, para a persistência numa tarefa, através do processo de desequilíbrio de uma situação?
Quando um escoteiro ou uma patrulha escoteira dominam totalmente o sistema de cozinha e preparam a comida para uma refeição completa usando o fogareiro a gás, organiza-se um jogo interpatrulhas para a refeição seguinte, onde a condição é fazer a mesma refeição com fogão à lenha.
Os domínios no caso são outros e completamente diferentes. Há uma necessidade maior de atenção e constância diante do fogo, maior abastecimento de lenha, mais serviço de limpeza de material, maior número de pessoas trabalhando no setor de apoio. Tudo exigirá uma liderança mais segura dividindo as tarefas com os escoteiros conforme suas especialidades.
Podemos contar neste jogo o sabor da comida, o tempo utilizado, o processo de divisão de tarefas e a habilidade de cada equipe. O sistema de avaliação é muito simples. Usa-se a auto-avaliação cujo termômetro é o estômago e o paladar de cada membro da patrulha escoteira.
Como se vê, o trabalho é dos escoteiros, o problema é dos escoteiros. A chefia apenas criou uma nova situação de jogo, desequilibrou uma situação e aguardou que eles mesmos fizessem a avaliação de toda a tarefa. E este sistema de avaliação é infalível. Saciar a fome é uma necessidade primária da qual ninguém pode escapar.
A prudência de quem dirige está em desequilibrar na medida em que os escoteiros possam reequilibrar-se na nova situação.
Assim, este movimento educa e forma para a vida sem dizer a cada um o que exatamente deve fazer, mas permitindo que cada um descubra a melhor solução para cada situação.

WERNECK, Hamilton. Ensinamos demais e aprendemos de menos. Vozes, Petrópolis, 1987

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